A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou nesta quinta-feira (16) o julgamento de dois recursos para definir se a lista de procedimentos de cobertura obrigatória para os planos de saúde, instituída pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é exemplificativa ou taxativa – ou seja, se as operadoras dos planos podem ou não ser obrigadas a cobrir procedimentos não incluídos na relação da agência reguladora. Há divergência sobre o tema entre as duas turmas que compõem a seção de direito privado.
O julgamento foi suspenso após pedido de vista da ministra Nancy Andrighi. Antes, o relator dos recursos, ministro Luis Felipe Salomão, votou pela taxatividade da lista editada pela ANS, sustentando que a elaboração do rol tem o objetivo de proteger os beneficiários de planos, assegurando a eficácia das novas tecnologias adotadas na área da saúde, a pertinência dos procedimentos médicos e a avaliação dos impactos financeiros para o setor.
Entretanto, o relator ressalvou hipóteses excepcionais em que seria possível obrigar uma operadora a cobrir procedimentos não previstos expressamente pela ANS, como terapias que têm recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina e possuem comprovada eficiência para tratamentos específicos. O ministro também considerou possível a adoção de exceções nos casos de medicamentos relacionados ao tratamento do câncer e de prescrição off label – quando o remédio é usado para um tratamento não previsto na bula.
Preocupação estatal em garantir respaldo científico
Salomão destacou que a Lei 9.961/2000, que criou a ANS, estabeleceu a competência da agência para a elaboração do rol de procedimentos de cobertura obrigatória. Ele também apontou que a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), em seu artigo 10º, parágrafo 4º – cuja redação mais recente foi dada pela Medida Provisória 1.067/2021 –, prevê que a amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS.
No campo doutrinário, o ministro apresentou posições no sentido de que o rol, além de precificar os valores da cobertura-base pelos planos de saúde, mostra a preocupação do Estado em não submeter os pacientes a procedimentos que não tenham respaldo científico, evitando que os beneficiários virem reféns da cadeia de produtos e serviços de saúde.
Ampliação do rol após consulta pública
Em seu voto, Salomão ressaltou que a Resolução Normativa 470/2021, que entrará em vigor em outubro próximo, fixa o rito para a atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde. Para a atualização da listagem atual (Resolução ANS 465/2021) – disse o relator –,foi realizada ampla consulta pública, que resultou na incorporação de 69 novos procedimentos.
"Portanto, a submissão ao rol da ANS, a toda evidência, não privilegia nenhuma das partes da relação contratual, pois é solução concebida e estabelecida pelo próprio legislador para harmonização da relação contratual", afirmou.
Ainda de acordo com o ministro, se o rol fosse meramente exemplificativo, não seria possível definir o preço da cobertura diante de uma lista de procedimentos indefinida ou flexível. Para ele, o prejuízo ao consumidor seria inevitável, pois se veria sobrecarregado com o repasse dos custos ao valor da mensalidade – impedindo maior acesso da população, sobretudo dos mais pobres –, ou a atividade econômica das operadoras ficaria inviabilizada.
Ao defender a taxatividade do rol da ANS como forma de proteger o consumidor e preservar o equilíbrio econômico do mercado de planos de saúde, Salomão lembrou que, por razões semelhantes, diversos países adotam uma lista oficial de coberturas obrigatórias pelos planos, como a Inglaterra, a Itália, o Japão e os Estados Unidos.
O julgamento retornará à pauta da Segunda Seção com a apresentação do voto-vista pela ministra Nancy Andrighi, ainda sem data definida.