No último dia 8/10, em sessão virtual, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou pela primeira vez um recurso extraordinário oriundo da sistemática de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), mecanismo instituído pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015 que permitiu aos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça criar Temas Repetitivos com abrangência em todo o território de sua jurisdição.
Interposto pela União, o recurso questionava tese fixada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) segundo a qual a titularidade do imposto de renda retido na fonte incidente sobre valores pagos pelos entes federados, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços era do Município.
A União argumentava que deve ser atribuído aos Municípios apenas o produto da arrecadação do Imposto de Renda incidente na fonte sobre rendimentos pagos aos seus servidores e empregados. Alegava, ainda, que o legislador constituinte originário não teve nenhum intuito de promover alterações no quadro de partilha direta e que competiria à União instituir o Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.
O Supremo Tribunal Federal (STF) negou o recurso da União e confirmou parte do entendimento do TRF4 de que os valores não precisavam ser repassados à União, e que pertenceriam aos Municípios, Estados e Distrito Federal. A decisão, unânime, foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 1293453, com repercussão geral (Tema 1.130), julgado na sessão virtual encerrada em 8/10.
IRDR
No caso concreto, o juízo da 1ª Vara Federal de Novo Hamburgo (RS) havia concedido liminar para que a União se abstivesse de exigir do Município de Sapiranga (RS) o produto de arrecadação do imposto sobre a renda incidente na fonte sobre rendimentos pagos a pessoas físicas ou jurídicas, referentes a contratações de bens ou serviços. Diante do crescimento de ações similares ajuizadas na Justiça Federal quanto à correta interpretação da forma de distribuição dessas receitas, o magistrado de primeira instância, considerando a necessidade de dar solução isonômica à matéria, suscitou o IRDR perante o TRF4.
Regionalmente, o TRF4 fixou a tese de que a Constituição Federal (artigo 158, inciso I) define a titularidade municipal das receitas (IRDR nº 9).
Suspensão nacional
Em 2018, a então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, nos autos da Petição (PET) 7001, determinou a suspensão nacional das decisões de mérito que envolvessem a interpretação do artigo 158, inciso I, da Constituição, em processos individuais ou coletivos. Ela determinou, ainda, que a petição fosse reatuada como Suspensão Nacional do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (SIRDR) 1, ou seja, a primeira a tramitar no Supremo.
Repercussão geral
Com a subida do recurso extraordinário ao STF, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, levou o processo à deliberação do Plenário Virtual, em março deste ano, e sua manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria foi seguida por unanimidade. Fux destacou o potencial impacto em outros casos, tendo em vista o grande número de municípios brasileiros a serem beneficiados pela fonte de receita, caso mantida a tese fixada pelo TRF4. Lembrou, ainda, que tramitam no STF ações cíveis originárias que discutem o mesmo tema.
Literalidade da norma
No julgamento de mérito do recurso, o relator, ministro Alexandre de Moraes, votou pelo seu desprovimento. Ele considerou que, ao estabelecer que pertence aos Municípios o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, “sobre rendimentos pagos, a qualquer título”, o constituinte originário optou por não restringir expressamente a que tipo de “rendimentos pagos” se referia.
Segundo ele, é necessário respeitar a literalidade da norma, e a expressão “a qualquer título” demonstra, nitidamente, a intenção de ampliar a abrangência do termo anterior (rendimentos pagos) a uma diversidade de hipóteses.
Titularidade da arrecadação
Ele também afastou a alegada ofensa ao dispositivo constitucional que estabelece a competência da União para instituir o Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Para o ministro, a previsão de repartição das receitas tributárias não altera a distribuição de competências, pois não influi na privatividade do ente federativo em instituir e cobrar seus próprios impostos, mas apenas na distribuição da receita arrecadada.
Segundo o relator, o debate sobre o alcance do artigo 158, inciso I, da Constituição não passa pela competência legislativa da União, mas abrange o aspecto financeiro, ou seja, a titularidade do produto da arrecadação do imposto retido na fonte, que, por expressa determinação constitucional, constitui receita do ente político pagador.
Entes subnacionais
Por fim, o ministro Alexandre de Moraes destacou que o Imposto de Renda deve incidir tanto na prestação de serviços quanto no fornecimento de bens por pessoas físicas e jurídicas à administração pública, independentemente de ser ela municipal, estadual ou federal. De acordo com o relator, os chamados “entes subnacionais” não devem ser discriminados quanto à possibilidade de reterem na fonte o montante correspondente ao IR, a exemplo do que é feito pela União (artigo 64 da Lei 9.430/1996).
Com informações do STF
Fachada do prédio do TRF4, em Porto Alegre (Foto: Diego Beck/TRF4)